No dia 30 de maio de 2022, ocorreu o webinar “Saúde, Género e Interculturalidade”, evento realizado a partir do projeto “Género e Interculturalidade”, desenvolvido pela Cooperativa Rede Portuguesa das Cidades Interculturais em parceria com as cidades de Lisboa, Oeiras e Vila Verde e financiamento do Conselho da Europa.
O objetivo do encontro foi ampliar e aprofundar o debate a respeito da construção de políticas públicas para a saúde que levem em consideração as questões de género e a sua interseccionalidade com a interculturalidade. O evento foi iniciado com a apresentação da RPCI e do Projeto “Género e Interculturalidade”, após o que foi realizada uma mesa redonda com a presença das seguintes participantes:
- Beatriz Padilla, investigadora filiada no CIES-ISCTE;
- Cyntia de Paula: atual presidente da direção na associação Casa do Brasil de Lisboa;
- Goizane Mota Gago, responsável por Programas direcionados à prevenção comunitária e empoderamento de mulheres migrantes na Câmara Municipal de Bilbao, Espanha;
- Cátia Ramos: Coach de Hábitos e Rotinas e atleta amadora;
- Joana Canedo do GAT: ativista dos direitos das pessoas que consomem drogas;
- Helena Viegas, jornalista, representante da Associação Corações com Coroa;
- Teresa Vieira, mediadora do Núcleo de Apoio às Comunidades Ciganas do ACM.
Aprendizagens e reflexões
Para abertura dos trabalhos foi feita uma breve introdução sobre o tema, abordando pontos importantes sobre saúde, género e interculturalidade, que foram aprofundados posteriormente.
Um ponto de destaque sobre o tema abordado é a importância de se respeitar, aceitar e valorizar as diferenças culturais que envolvem aspectos como, migração, questões étnico-raciais e género, além da importância de uma abordagem empoderadora da interculturalidade e diversidade, que não faça uso de práticas que possam ser sentidas como paternalistas, condescendentes, preconceituosas ou etnocêntricas.
Relativamente à saúde, foi falado sobre a importância do olhar intercultural, de maneira integrada, que seja capaz de avaliar os desafios e necessidades práticas em relação ao acesso e acessibilidade das pessoas nos sistemas públicos, sobretudo no que diz respeito à recepção das pessoas migrantes quando procuram por serviços médicos, a começar pela falta de acolhimento por parte das pessoas que fazem o contato inicial. Verificou-se que para este acesso, o idioma também pode ser um dificultador. Além disso, a própria linguagem médica, pode criar um entrave para a comunicação com pessoas que têm baixo grau de instrução e torna-se ainda necessário ter conhecimento sobre as diferentes práticas culturais e refletir sobre preconceitos e práticas existentes, que podem levar, por exemplo, a violências obstétricas contra mulheres.
A importância de um trabalho multidisciplinar
É importante ter em atenção a evolução do entendimento sobre diversidade e a importância da compreensão do processo. Normalmente o ponto de partida é um olhar enviesado pela abordagem étnica/racial/cultural, em que a pessoa migrante é entendida como “estranha” ou o “outro”, não pertencente àquela sociedade em que estão inseridas e que apresentam riscos em casos e momentos de crise.
Entretanto, devemos adotar um olhar holístico/integrado, em que a pessoa migrante é compreendida nas suas múltiplas dimensões e, portanto, parte integrante de um todo. Assim sendo, os serviços integrados devem promover uma maior sensibilização dos sistemas de saúde, incluindo os profissionais e toda a sociedade civil, para como resultado haver uma melhoria para todas as pessoas, incluindo as que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica.
Relativamente às práticas existentes, as convidadas falaram um pouco sobre cada projeto em curso.
Unidades móveis de saúde: a unidade móvel de saúde do SNS que se localizava na Venda Nova, Amadora, realizava um serviço importante para a população. Implicava a prestação de serviços de proximidade em relação à saúde materno-infantil e reprodutiva, bem como apoio à marcação de consultas e procurava preencher as dificuldades de acesso ao Sistema Nacional de Saúde. No entanto, em decorrência da evolução natural do SNS esta unidade móvel transformou-se em unidade de saúde familiar que, por definição, não atendem pessoas migrantes indocumentadas, pondo fim à existência desta boa prática.
Projeto Informa em Ação: a Casa do Brasil, divulgou o projeto “Informa em Ação” desenvolvido por meio de um processo participativo que contou com o envolvimento de profissionais de diversas áreas e pessoas migrantes. O resultado foi a elaboração de guias informativos disponibilizados em 6 línguas: bengali, francês, inglês, mandarim, nepali e português, sendo a tradução realizada por pessoas da própria comunidade.
Programa Mujer, Salud y Violencia: o projeto desenvolvido pela cidade de Bilbao, Espanha, com foco no empoderamento de mulheres imigrantes, mediante a prevenção da violência de género e promoção de saúde sexual e reprodutiva. Utilizam o efeito multiplicador que consiste no estabelecimento de canais de transmissão nas comunidades das participantes, sensibilizando e informando as mulheres em seu entorno, em cinco linhas de intervenção: Formação e consolidação de agentes de empoderamento; Consolidação da rede de stakeholders; Prevenção integral da mutilação genital feminina; Guia mulheres; Guia para diálogos entre mulheres.
A menarca vai a escola: “ A menarca vai à escola” é um projeto desenvolvido pela equipa do movimento #TodasMerecemos e da Corações com Coroa, com o objetivo de ampliar o debate sobre menstruação, pobreza menstrual e sustentabilidade, dirigido a estudantes do 8º ano. Foram desenvolvidas ações para desconstruir os tabus que ainda persistem sobre o tema da saúde ligada à menstruação. Foi reforçada a importância do projeto ter sido desenvolvido desde o início em ambiente escolar.
Grupo de mulheres sobreviventes à violência: Trata-se de um espaço comunitário em que mulheres pertencentes a grupos excluídos socialmente possam confraternizar e fazer reuniões de apoio mútuo, que acontece semanalmente no espaço da Sirigaita, uma associação cultural no bairro do Intendente. Todas as decisões são realizadas em assembleia horizontal e levando em consideração que abrangem cerca de 10 nacionalidades, a comunicação intercultural é um princípio norteador de todas as atividades. Um dos objetivos do grupo também é atuação em rede, para que haja diálogo com outros coletivos feministas da cidade, de modo a contribuírem na construção de políticas públicas.
Trabalho voltado para os homens: Tertúlia realizada em comemoração do dia da mulher cabo-verdiana em 2022, sobre as dificuldades da mulher cabo-verdiana na diáspora, entre outros assuntos, contando inclusive com expressiva participação masculina, em que foi possível dialogar acerca das diferenças de género de maneira saudável e respeitosa. O sucesso nesta abordagem pode ser verificado no fato de os próprios homens terem pedido outro encontro deste tipo, mostrando uma abertura na construção de novas perspectivas culturais.
Dificuldades encontradas na promoção de uma saúde mais intercultural
Algo importante a ser observado diante deste debate é que, independentemente do recorte feito, as dificuldades encontradas são muito similares, principalmente no que se refere a financiamentos para realização de atividades com a população. Além disso, foram levantadas reflexões sobre a sustentabilidade e importância de pensar em projetos que tenham continuidade temporal, mesmo quando as fontes de recursos se esgotam.
Reforçou-se ainda que é necessária uma maior atenção para o trabalho com as comunidades ciganas, já que por questões geracionais, leva-se mais tempo para realizar projetos de sensibilização e apoio.
Outro ponto praticamente unânime, refere-se à melhoria na formação administrativa das pessoas que trabalham nos centros de saúde, bem como a necessidade de se investir em conhecimento sobre os diferentes grupos que habitam em Portugal, a fim de promover a construção de equipes médicas mais empáticas, respeitosas e capazes de lidar com a interculturalidade.
Próximos encontros
Se tem interesse pelo tema e não pôde estar presente, não se preocupe! No âmbito do projeto “género e interculturalidade” ainda realizaremos os seguintes encontros:
27 de junho, 14:30-16:30 – Comunicação, Género e Interculturalidade (programa a confirmar)

26 de setembro, 14:30-16:30 – Educação, Género e Interculturalidade (programa a confirmar)
Os eventos são gratuitos e abertos a todas as pessoas e as inscrições podem ser feitas por meio deste formulário.
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