
No dia 27 de junho do presente ano, foi realizado mais um webinar no âmbito do Projeto Género e Interculturalidade. O evento foi iniciado com uma breve apresentação da Rede Portuguesa das Cidades Interculturais, da Cooperativa RPCI e do projeto Género e Interculturalidade. Neste webinar, focado na Comunicação, Género e Interculturalidade, tivemos a presença de quatro oradoras: Alice Marcelino (artista visual), Yolanda Tati (locutora de rádio e influencer), Sónia Matos (AMUCIP) e Ana Paula Costa da Casa do Brasil Lisboa (Projeto MigraMyths).
Após a apresentação inicial, a jornalista Catarina Marques Rodrigues, especialista em questões de género e desigualdades e fundadora da plataforma Gender Calling, introduziu o tema. Salientou sobre a falta de representação de mulheres e de pessoas representantes da diversidade sociocultural nos media, tanto nas notícias, como nos cargos de liderança e gestão das organizações mediáticas.
A jornalista referiu dados que revelam que os temas da igualdade de género são considerados muito importantes para o público em geral e, em especial, para a geração Z. A maioria das pessoas inquiridas considera que os media têm progredido nestes temas, mas que ainda há muito trabalho a realizar. A geração Z considera que os media têm um papel importante a desempenhar neste âmbito.
Sublinhou que os medias transmitem às pessoas imagens, podendo favorecer enviesamentos inconscientes, nomeadamente em relação à aparência, à idade, ao género, entre outros. Referiu ainda que, de acordo com o último inquérito European Social Survey, 62% das pessoas em Portugal manifestam alguma forma de racismo.
Catarina Marques Rodrigues sugere ainda que quando escrevemos um texto e queremos garantir que a nossa comunicação está a ser feita de forma correta e inclusiva, devemos responder às seguintes questões: Posso estar a ofender alguém?; Estou a deixar alguém de parte?; Estou a propagar um estigma ou uma ideia pré-concebida? E que para uma pessoa tornar-se antirracista tem de passar por um processo, que passa por três zonas: zona do medo, zona da aprendizagem e zona do crescimento.
Após a sua apresentação, Catarina Marques Rodrigues questionou as convidadas para participar na mesa-redonda, acerca das suas experiências pessoais e do trabalho que têm desenvolvido.
A cientista social e membro da direção da Associação Casa do Brasil, responsável pelo Projeto Migra Myths, Ana Paula Costa, destacou que o processo de imigração é um processo de crise, nunca é confortável. Num primeiro momento há sempre um processo de ajustamento, que se sente de uma forma mais premente no caso das mulheres migrantes, pois a desigualdade pré-estabelecida que existe entre homens e mulheres também se coloca na migração. Em alguns casos foram os homens que chegaram primeiro e encontraram empregos e as mulheres vêm numa situação de dependência financeira.
Nos relatórios do projeto Migra Myths é possível encontrar relatos de discriminação nos serviços públicos. A discriminação, em particular sofrida pelas mulheres migrantes, é sentida em diversas áreas. A saúde é onde aparecem mais relatos de discriminação, de situações de assédio e de dificuldades devido à barreira linguística. Em relação ao atendimento recebido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, há relatos de xenofobia, racismo e denúncias de bloqueios ao processo. Há relatos que na Segurança Social e nos Serviços de Finanças muitas vezes as pessoas que atendem as pessoas migrantes desconhecem os procedimentos. Até uma pessoa obter uma autorização de residência encontra-se muitas vezes num limbo, situação que aumenta a sua vulnerabilidade.
A pessoa migrante acaba por não denunciar porque tem medo, receio de ser enviada de volta por estar numa situação por vezes irregular e vulnerável.
É importante trabalhar a comunicação para combater os preconceitos, inclusive a partir das redes sociais. Nesse sentido a convidada salientou que há associações de pessoas migrantes que estão na vanguarda em Portugal e que funcionam de uma forma coordenada.
A artista visual, portuguesa de origem angolana, Alice Marcelino referiu que o corpo negro é muito policiado pela sociedade, pela forma como se veste, como se expressa e por exemplo através do cabelo. Uma mulher negra que usa o cabelo de uma forma natural é alvo de vários julgamentos e estereótipos.
Como uma mulher negra que já viveu em diversos países (Portugal, França, Reino Unido, Grécia), Alice também abordou as circunstâncias da integração. Expôs que os desafios à integração para uma pessoa negra começam logo no momento da viagem. Antes de migrar para outro país, uma pessoa negra precisa de realizar uma pesquisa para averiguar se é um país em que poderá ser alvo de racismo flagrante, se há cabeleireiros habilitados a tratar do seu tipo de cabelo, se há produtos para o seu tipo de pele, por exemplo.
No campo profissional, o primeiro desafio é a indústria da publicidade, por ser ainda uma área dominada por homens brancos, estando o sistema desenhado para as necessidades dos homens desde as oportunidades de trabalho até quem toma as decisões. Referiu igualmente que existe uma expectativa de que, por ser uma mulher negra, terá apenas uma narrativa: a da opressão, que embora faça parte da experiência de muitos indivíduos negros, não é única questão e isso acaba por fechar muitas portas.
Diante deste cenário, encontra-se ainda outra questão em relação às mulheres. Nota-se que ainda existem pouquíssimas oportunidades para artistas que são também mães, quando comparadas com homens artistas que também são pais, mas, continuam a desenvolver as suas carreiras, sem que o facto de terem filhos seja um obstáculo.
A locutora e influenciadora, Yolanda Tati, partilhou a sua experiência de início de carreira e de maternidade. No início de carreira no campo dos media, enfrentou algumas barreiras, pois havia uma ideia generalizada, entre agentes de media, de que o seu perfil de mulher negra não seria uma voz que as pessoas queriam ouvir. Gradualmente esta situação foi sendo modificada, foi-se percebendo que esse espaço existia, mas não estava a ser explorado adequadamente.
Yolanda detém uma presença muito significativa nas redes sociais e, quando se tornou mãe de uma criança filha do seu parceiro, que é um homem branco, houve muita especulação sobre a cor de pele do bebé. A influencer referiu que muitas vezes a sua cor de pele e género criam de imediato uma expectativa de que será uma pessoa agressiva, uma trabalhadora doméstica ou com uma personalidade promíscua, dado estes serem estereótipos e preconceitos sofridos por mulheres negras, como se o seu lugar fosse apenas aquele e não pudessem ocupar outros lugares, inclusive um lugar de sucesso.
O movimento black lives matter veio alterar o panorama global. A partir do debate iniciado por este movimento, as marcas mudaram o seu posicionamento e Yolanda aumentou muito a sua carteira de clientes. Outra situação curiosa, foi quando da sua participação numa campanha publicitária na qual usava o cabelo liso, tendo sido criticada por isso. A conclusão a que chega é a de que as mulheres negras são tão pouco representadas que a partir do momento que surge uma mulher negra, ela tem que usar usar o cabelo de forma natural para que possa representar outras mulheres. Ainda não se chegou ao ponto em que uma mulher negra pode ser o que quiser e usar o cabelo como quiser. Nos media portugueses ainda há uma longa luta pela frente para se conseguir uma maior representatividade, em particular na televisão.
Sónia Matos, presidente da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas (AMUCIP), debruçou-se sobre a questão da educação e da importância do acesso pleno à mesma para as mulheres ciganas, para que se quebre o ciclo de exclusão social a que muitas vezes estão votadas, estando muitas vezes dependentes dos homens para gerir as suas vidas.
Nas suas palavras, a cultura cigana é a cultura portuguesa de há 50 anos, no qual o papel da mulher era ser dona de casa e mãe.
Para a mulher cigana só agora, no presente século, é que se começa a dar os primeiros passos para conquistar espaço e independência e, na sua opinião, o pontapé para isso acontecer começa pela integração escolar.
A AMUPIC trabalha com mulheres e homens da comunidade cigana para que o acesso à educação seja uma realidade, mesmo para as mulheres já casadas e que saíram da escola há muito tempo. Hoje existem mais de 40 pessoas ciganas licenciadas em Portugal, a realidade já começa a mudar, mas é necessária muita perseverança e dedicação. Sensibilizar profissionais de educação é de extrema importância, principalmente porque algumas crianças ciganas ingressam no primeiro ciclo sem ter tido nenhuma experiência escolar e por isso têm mais dificuldades, e para que transmitam expectativas positivas às meninas ciganas na escola e as ajudem a acreditar em si mesmas, aumentando a auto estima das mesmas e evitando perpetuar estereótipos e crenças negativas sobre a comunidade cigana.
Outra questão importante relativamente às pessoas ciganas é o bairro social, que por si só já carregam muitos estigmas e estereótipos. É necessário ouvir a comunidade, trabalhar com os mediadores sócio-culturais das escolas, é necessário ter representatividade nas escolas, é necessário as crianças ciganas sentirem aquele espaço também como seu.
Outras questões afetam profundamente a comunidade, como por exemplo a linguagem e os estereótipos existentes, o fato de os projetos sociais acontecerem com tempo limitado e muitas vezes curto.
Algo de positivo para as pessoas ciganas foi o rendimento social de inserção (RSI) que alterou o cenário e permitiu às pessoas sonharem e dar saltos para o futuro. As redes sociais também geraram importantes mudanças na comunidade cigana. As jovens da comunidade utilizam muito os telemóveis e as redes sociais. Isso possibilita-lhes falar com os rapazes com quem vão casar antes do casamento, o que não acontecia antes. Mas, é visível que falta ainda boa vontade da sociedade em possibilitar que haja representatividade de pessoas ciganas.
Com pena porque não conseguiram participar? Então não percam o próximo, já no dia 26 de setembro pelas 14h30, onde iremos falar de educação!