Por: Danielle Menezes

8 de março ficou conhecido internacionalmente como o dia da mulher e, portanto, mês costuma ser marcado por diversas atividades a respeito da igualdade de gênero. Entre discussões sobre a importância da data, a falta de representatividade feminina em espaços de poder ou os avanços dos direitos das mulheres nos últimos anos, a interseccionalidade tem ocupado espaço nos debates públicos.
Porém, muitas pessoas ainda não sabem do que trata este conceito, qual a importância dele na atualidade, muito menos como relacioná-lo com a interculturalidade. Pensando nisso, a RPCI preparou este post (e em breve teremos episódios de podcast sobre o tema), a fim de esclarecer pontos importantes para a construção de ambientes mais diversos e interculturais. Vamos lá?
Qual é a história do dia internacional das mulheres?
A versão mais popular do “surgimento” deste dia, diz respeito ao incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York em 1911. De fato, o episódio ocorrido em 25 de março, que resultou em 130 operárias carbonizadas, pode ser considerado um marco para a luta feminista ao longo do século 20, mas os eventos que originaram a criação da data, aconteceram ainda no século XIX, marcado pelo cenário da Revolução Industrial e as mudanças ocorridas nas relações de trabalho.
Os registros contam que as jornadas exaustivas, os salários medíocres, a falta de direitos e o trabalho infantil, levaram as mulheres a protagonizarem greves contra a exploração, reivindicando melhores condições de trabalho. Assim, o primeiro dia nacional da mulher foi celebrado em maio de 1908 nos Estados Unidos, após 1500 mulheres aderirem a uma manifestação em prol da igualdade econômica e política no país. No ano seguinte, o Partido Socialista dos EUA oficializou a data em 28 de fevereiro, com um protesto que reuniu mais de 3 mil pessoas no centro de Nova York e culminou, em novembro de 1909, em uma longa greve têxtil que fechou quase 500 fábricas americanas.
A Luta das mulheres é algo que transpassa barreiras, incluindo as geográficas. Logo, enquanto as estadunidenses se organizavam e iam para as ruas, o movimento nas fábricas europeias também crescia. Em agosto de 1910, a alemã Clara Zetkin propôs em reunião da II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas na Dinamarca, a criação de uma jornada anual de manifestações pela igualdade de direitos sem precisar de uma data. A sua resolução foi aprovada por mais de cem representantes de 17 países.
Em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), um grupo de operárias saiu às ruas para se manifestar contra a fome e a guerra, o que também é considerado como o pontapé da Revolução Russa. De acordo com o calendário juliano (o antigo calendário russo), a data era 23 de fevereiro, porém, 8 de março no calendário gregoriano, adotado pelos soviéticos em 1918 e utilizado pela maior parte dos países atualmente. Após a revolução bolchevique, a data foi oficializada entre os soviéticos como celebração da “mulher heróica e trabalhadora”.

Na Rússia, em 1917, milhares de mulheres foram às ruas contra a fome e a guerra; a greve delas foi o pontapé inicial para a revolução russa e também deu origem ao Dia Internacional da Mulher.
Portanto, o dia 08 de março ficou definido como o oficial da luta feminista em 1921, durante a Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, tendo sido reconhecido pela Organização das Nações Unidas em 1975, que também definiu o período compreendido entre 1976 a 1985 como a “década da mulher”.
Como a interculturalidade se relaciona com a luta das mulheres?
Os movimentos feministas representam a luta das mulheres em prol de liberdade e condições igualitárias de vida. No entanto, durante muito tempo, esse movimento foi visto a partir de um ponto de vista universalizante, que tinha dificuldade em incluir outras categorias na categoria gênero.
A ideia de interseccionalidade foi criada a partir do movimento feminista negro em que estudiosas e militantes buscaram entender e combater os contornos colonialistas nas opressões vividas pelas mulheres. Sojourner Truth, nascida nos Estados Unidos, acorrentada ao esclavagismo, vendida em leilão com nove anos de idade, junto de gados, tornou-se uma das pioneiras do feminismo negro, tendo marcado a história com o seu discurso improvisado “Não sou eu uma mulher?” realizado na Convenção das Mulheres de 1851, nos Estados Unidos. “Ain’t I a Woman” se tornou um das principais frases de ordem do movimento. bell hooks publicou um livro com este título em que retrata o impacto tanto do machismo dos homens negros quanto do racismo das feministas brancas para com as mulheres negras.
Angela Davis, importante pensadora de nossa época, aborda em seu livro “Mulheres, raça e classe” a interseccionalidade relatando os abusos sexuais sofridos pelas mulheres negras mesmo após o fim da escravidão, tendo em vista que esta era a forma que homens brancos encontraram de resistir a escravidão e desmoralizar os companheiros negros. E como não poderia deixar de ser, também dedica uma parte de sua obra para resgatar Sojourner.
Grada Kilomba, artista interdisciplinar portuguesa, afirma que a experiência de racismo e discriminação de gênero estão interligadas, tendo em vista que as construções racistas envolvem os papéis de gênero e causam um impacto maior nas mulheres. A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie traz em seu livro “O perigo de uma história única”, que também pode ser encontrado na forma de Ted Talk, narrativas que retratam como os estereótipos são incompletos e superficializam histórias de pessoas de nacionalidades distintas, principalmente as das pessoas africanas e racializadas. O seu livro “Todos devemos ser feministas” aborda a temática do direito das mulheres de uma forma brilhante, dirigidas a pessoas de todas as identidades de gênero, existindo uma versão para crianças e um Ted Talk com o mesmo título.
A interseccionalidade para a luta das mulheres é, portanto, uma resposta para a abordagem de um problema geral “violência de gênero” a partir de perspectivas diferentes, levando em consideração que múltiplas realidades e categorias sociais e políticas distintas (pessoas racializadas, com diferentes identidades de gênero, classes sociais, orientações sexuais, nacionalidades, idades, habilidades, etc.) vivem os direitos das mulheres de forma diferente, necessitando portanto as políticas de gênero de serem compreendidas e implementadas com uma abordagem intercultural.
De acordo com o Conselho da Europa, a interculturalidade pode ser definida como um modelo político que visa assegurar a igualdade e a coesão em sociedades culturalmente diversas. Encoraja a mistura e a interação entre pessoas de origens, culturas e meios diferentes com vista a construir uma identidade coletiva que se baseie no pluralismo cultural, nos direitos humanos, na democracia, na igualdade entre homens e mulheres e na não discriminação. O interculturalismo baseia-se na aplicação simultânea de princípios de igualdade de direitos e oportunidades, na diversidade como uma vantagem, e na interação positiva como forma de promover a contribuição de todas as pessoas no desenvolvimento de uma sociedade.
A interculturalidade não visa desvalorizar ou ignorar as diferenças, mas a sua valorização e a segurança de que os direitos serão assegurados de maneira isonômica. Trabalhar em prol de uma sociedade intercultural é acreditar em um mundo horizontal, sem as opressões que conhecemos. Sem guerras, lutas ou injustiças.